sexta-feira, 9 de março de 2012



 Lanterninha: uma jornada audiovisual nas escolas

Salvo algumas exceções, a maior parte dos filmes brasileiros não consegue chegar as salas de exibição comercial. Muitos dos que conseguem precisam lutar para permanecer mais que uma semana. Nesse panorama, o Lanterninha surge como possibilidade de criação de novas salas de exibição dentro de um ambiente potencialmente capaz de formar público para o cinema brasileiro: a escola pública.

É bem verdade, que antes de entrar nas escolas com o projeto, que já sabíamos como era tratado o ensino público no país. Mas aí, quando nos tornamos parte desse corpo escolar, mesmo sendo uma prótese, algo externo que se propõe a contribuir para o seu melhor funcionamento, é que nos deparamos com todos aqueles índices que compõem o panorama do ensino do Brasil. As escolas estão feias, sujas, os banheiros não funcionam, não temos sala adequada para projeção de filmes. Aqui também as salas estão vazias, há poucos professores, poucos alunos. Ao propor o Lanterninha nas escolas, tivemos alguns percalços e o primeiro deles era a própria resistência da escola em aceitar algo novo, que modifique essa rotina perversa em que se encontra.

Imbuídos do objetivo de formar público dentro das escolas, a equipe Lanterninha foi formada: 02 produtoras/coordenadoras, 02 psicólogos , 05 monitores, 01 assistente de produção. Pela frente: 12 escolas, 10 filmes, 10 palestrantes, um milhão de novidades. Início de uma batalha: para entrar nas escolas, para conquistar o corpo escolar, para liberar os filmes, para obter recursos. Como um projeto que não é originário da própria escola, o Lanterninha precisou conquistar o seu espaço. É certo que não foi sem batalha que conseguimos conquista-lo dentro da maioria das escolas, infelizmente em algumas não foi possível. Para o Lanterninha funcionar na escola é preciso que seja em conexão com os alunos, professores, coordenadores, porteiros, serventes. Todos precisam estar dispostos a colaborar. Em muitas das escolas que passamos, apesar de estarem totalmente degradadas, encontramos força humana capaz de movimentar toda  essa engrenagem e possibilitar a alunos e professores um espaço de diálogo, na maioria das vezes através das artes: teatro, música, artes plásticas e, com a chegada do Lanterninha, o audiovisual.

São 04 anos em que encontramos dificuldades desde a preparação para o espaço físico das sessões, a maioria das escolas não possui um local adequado para se exibir, já encontramos escolas em que tínhamos que cobrir as janelas com panos pretos à escolas que possuem pilastras por toda a sala. Outras vezes a dificuldade estava em conversar com os diretores, coordenadores e professores, adentrar nesse espaço complexo dos gestores das escolas públicas. É muito difícil encontrarmos adesão da escola inteira. Para muitos o Lanterninha era algo de fora que invadia o espaço deles para lhes dizer o que fazer. Outros enxergaram no projeto a possibilidade de ampliar os conhecimentos dos alunos, proporcionar aulas mais agradáveis utilizando o recurso audiovisual. Outros agradeciam ao projeto, deixavam seus alunos nas sessões e iam embora para casa. Mas também existiu vezes em que encontramos verdadeiros educadores dentro das escolas. E esses foram bons encontros. Foram nessas escolas que se tornou possível a implantação dos cineclubes, uma rede sem espaço físico, mas que era obrigada a se conectar com toda a escola para se fazer existir. Desde a chave da sala de vídeo à mídia de dvd do filme que vai passar. Uma pequena estrutura, uma cadeia entorno do audiovisual e da escola. Percebemos como é maravilhoso assistir filmes juntos e depois falarmos sobre eles. Muita coisa pode ser descoberta, ainda mais numa idade, entre 15 e 21 anos, em que as escolhas começam a ser feitas. Feliz, vejo que mudamos o destino de muitos garotos, não quer dizer que eles iriam para destinos ruins, mas o Lanterninha pode garantir que produziu sentido na vida deles. Que a troca de idéias possibilitou o amadurecimento dos seus discursos, gerou confiança nas suas percepções de mundo e o desejo, próprio da juventude, de espalhar por aí as suas descobertas. Já se passaram 04 anos, desde que recebemos João Jardim, Valéria Fagundes,  João Miguel, Luiz Carlos Vasconcelos, Nelson Xavier, entre tantos outros artistas e educadores que estão dispostos a ampliar o diálogo entre a cultura e a educação. Dessa forma, tenho certeza que não só eu, como coordenadora do projeto, mas todos os meus parceiros de jornada, nos sentimos orgulhosos do trabalho que estamos fazendo.  Agora é tempo de repensar as estratégias, de aglutinar os meninos que passaram 04 anos conosco e que agora já saíram das escolas, prontos para enfrentar a universidade ou o emprego, mas ainda com vontade de contribuir para que mais e mais pessoas, dentro de casa, do trabalho, da escola mesmo, possam entrar em contato com aquilo que os motivaram, descobrirem que há um cinema brasileiro rico, que fala das nossas questões, que tem a nossa língua, nossas gírias, e que também está por aí, forçado a estar longe do público que os financia. Somo todos, na verdade, entusiastas de nosso país, querendo falar, discutir, problematizar, através da arte cinematográfica, o nosso cotidiano e os problemas mais graves da nossa identidade brasileira.