terça-feira, 8 de junho de 2010

Crítica do curta-metragem "Recife Frio", realizada por Henrique Oliveira na oficina de crítica cinematográfica ministrada por João Carlos Sampaio no VI Panorama Internacional Coisa de Cinema.




Recife Frio: falseamento verdadeiro
Por Henrique Oliveira

Ray Bradbury (um conhecido escritor e roteirista de cinema americano) certa vez advertiu que “um contador de histórias fantásticas não pode aspirar a outra coisa que não seja induzir o público à sensação da ‘irrealidade da realidade’”. Em outras palavras, um narrador de histórias fantásticas deve fazer com que seus espectadores juntem, ou pelo menos aproximem, no instante da recepção do conteúdo, o real com o irreal, o imaginário com o “palpável”. No cinema, poderíamos afirmar que uma tentativa de narrativa fantástica se daria quando um diretor, deliberadamente ou não, tentasse unir o real e o imaginado, ou, mesmo, o documentário e a ficção.  O curta-metragem “Recife Frio” (ficção, 23 mim., 2009), do diretor Kleber Mendonça Filho (Eletrodomésticas, 2006) é um bom exemplo desse estilo narrativo: com uma linguagem eminentemente documental, o filme traz a falsa história de uma Recife que, por conta de uma inexplicável mudança climática, deixa de ser uma cidade quente e tropical, e vira uma metrópole com clima londrino, com muita chuva e frio. O filme – que de forma muito criativa tenta se passar por um legítimo documentário – retrata o irreal como real e, com isso, leva aos seus espectadores uma ficção bem humorada, cheia de criticas sociais e dotada de ótimas metáforas.  
A obra não economiza nos planos abertos e gerais para caracterizar, da maneira mais verossímil possível, o “novo” clima recifense.  Com uma manipulação de imagens gravadas (não necessariamente na cidade, é claro), e com uma fotografia e uma trilha sonora que imprimem um ar bastante sombrio á ambientação da trama, o filme nos transporta para uma Recife aonde a frieza vai dizimando a antiga e calorosa vida da capital pernambucana. Pessoas morrem nas calçadas, a população se esconde em roupas grossas e as ruas ficam desertas e sem o antigo brilho. Alguns efeitos especiais trazem detalhes importantes para essa encenação: fumaça na boca de alguns personagens, falsa neve e outros truques deixam o filme com mais “cara de realidade”.  
Porém, ao mesmo tempo em que se esforça para transportar o público para uma narrativa factual, o absurdo do tema e da abordagem escolhida diz á platéia a todo instante que aquilo não passa de uma representação. Diferente da famosa “Guerra dos Mundos” de Orson Welles, o filme não se faz verossímil em sua totalidade. O tom cômico de algumas passagens do enredo e, até, algumas escorregadelas na atuação de alguns atores, nos dizem a todo instante que aquela história nunca poderia ser real. È como se o roteirista e o diretor nos balançassem nas poltronas e gritassem: “Isso ainda é ficção”. Até nos créditos do filme, que aparecem no início e no fim da projeção, dando ao elenco caracterizações nada precisas, como, por exemplo, “uma cantora”, “um vendedor”, etc., o diretor intervém diretamente para nos trazer de volta à realidade.  
Outra característica marcante e que não poderia deixar de se mencionar é a critica social que o filme carrega. Da mesma forma que em outros filmes dessa nova e talentosa geração de realizadores pernambucanos – que conta com nomes já bem conhecidos como o Gabriel Mascaro (Um lugar ao sol, 2009) – e seguindo uma linha já adotada no premiado “Eletrodomésticas” (2006), Kleber Mendonça Filho, dá a “Recife frio” um momento de reflexão bastante instigador: ao sugerir a frieza de uma cidade que passa por uma intensa mudança climática, ele chama o espectador para pensar num outro tipo de frieza que estaria tomando conta da Recife real. Com uma arquitetura cada vez mais verticalizada e rígida e com o crescimento de uma “desordem” urbana em diversos aspectos (como no aparecimento de uma individualização exagerada e de um consumismo desenfreado), Mendonça Filho nos diz que a frieza de Recife existe e está crescendo. Ao dizer que as pessoas abandonaram o calor das ruas para se refugiarem na frieza dos Shoppings Centers, ele sugere que a pior do que a mudança climática é a distância e o gelo das nossas próprias relações.  
“Recife Frio” é, pois, um filme que alia humor, criatividade e crítica social a uma forma muito talentosa de lidar com a linguagem fílmica. Em outras palavras, é um “falso documentário” que carrega muita verdade.

1 Comentários:

Às 22 de setembro de 2011 às 08:42 , Anonymous Anônimo disse...

E não é que esse "documentário" me enganou. Jurava que em Recife a temperatura tinha caído mesmo e eu nunca mais iria pra lá... Oh my God!!!

 

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