segunda-feira, 14 de junho de 2010

Milton Santos

Assisti ao filme pela primeira vez na faculdade, afinal estamos no instituto Milton Santos. Mas muito antes, no 2º grau, li o livro que mudou a minha vida: Por uma outra Globalização, do próprio Milton Santos. O filme resgatou algo que está sempre comigo: o sentimento de que somos diferentes e de que ainda mais por isso somos importantes na reconfiguração do mundo, pois tal como ele está não dá. Essa sensação de que mesmo diferentes não estamos sozinhos e que mesmo protagonistas, cada qual de sua própria história, somos coadjuvantes da história do mundo. 

A iniciativa de criar o Lanterninha vem desse sentimento e o que é mais bacana é que todos que foram se juntando ao projeto e transformando-o no que é hoje, parecem compactuar com isso. Porque senão já teríamos desistido. Foi essa sensação que me assolou nessa quarta-feira durante a exibição especial no Landulfo Alves.

Me pareceu as primeiras exibições de 2008, quando a equipe era composta por 06 pessoas, mais sonhadoras ainda. Confesso que deu vontade de desistir. Chegamos ao colégio um pouco atrasados e nenhum cineclubista se encontrava, só Mariano apareceu dizendo que não sabia de nada. Como não vim na reunião de sexta passada, só fiquei sabendo do racha no cineclube mais admirado do Lanterninha na segunda a tarde. Fiquei no ar.

Na chegada ao Landulfo e no duro que demos sozinhos para prender panos pretos, montar equipamentos, organizar a sala, fiquei pensando se valia a pena tudo isso. Se não somos sonhadores demais, idealizadores demais, se não tenho que partir para outra, fazer outros projetos ou até mesmo retornar ao Lanterninha inicial, se preocupando em apenas exibir, esse apenas aqui como vicio do discurso, pois é uma barra exibir para estudantes tão afastados da cultura. Fiquei pensando que era muita ilusão nossa achar que podemos formar grupos cineclubistas com garotos que estão amealhados por uma educação sucateada há mais de 50 anos, por uma filosofia do consumo e da alienação.

Uma sensação de abandono, que acredito deve solapar os professores e gestores dessas escolas. Uma sensação de que nada vai mudar, de que estamos fazendo tudo em vão. Eu via aquele auditório lotado com os alunos fazendo pouco caso, conversando, ligando o celular e na tela um filme avassalador, para mim era impossível que eles não se identificassem: somos os terceiros mundistas, os esfomeados, os sem dente, sem teto, sem água, os negros, os que não valem nada, se for medido pelo o que temos no bolso. Não entendia como o filme, apesar de ter um discurso mais complexo e de ser documentário, ponto negativo já de começo, não deixava aqueles meninos calados, profundamente tristes com tudo aquilo que os espera. Afinal serão eles os próximos desempregados e continuarão sempre sendo os marginalizados, apesar  da TV de LCD que comprarão em tantas prestações que é difícil pensar se ainda estarão vivos para paga-las. Cheguei a parar o filme: Amauri, o professor convidado, falou do respeito, eu falei da identificação com o assunto. Mas não adiantou. Para piorar o mesmo professor me confessou estar envergonhado e perguntou como continuamos com tudo isso. Falei que estávamos acostumados, mentira, não vou me acostumar nunca.

Minha esperança era uma meia dúzia que estava atenta ao filme e a chegada de Jorge Conceição que pra mim conseguiria sacudir aqueles corpos torpes pela alienação castigante do capitalismo a que nos atrelamos. Para mim Jorge seria um cristo ressuscitado, que viria para salvar as almas perdidas. Outra professora disse ainda que a cada anos eles estão pior, eu repliquei que isso era obvio já que nada era feito para mudar as mentes.

O filme acabou, palmas de aleluia, graças a Deus que acabou! E entra Jorge. Com seu olho no olho, sua força de caráter, sua energia. Geográfo, aluno de Milton Santos, contador de histórias e parteiro. Em uma frase ele toma o auditório para si: quem é Bahia ou Vitória? Chegou lá no assunto que todo mundo gosta. De lá ele saiu para conduzir esse meninos de volta ao filme e conduzir a todos nós a um debate incrível que reascende a esperança e me fez compreender que nem tudo está perdido, não podemos desistir, ninguém tem esse direito. Os meninos se colocaram e o papo renderia ad infinito se as barrigas não roncassem nos retornando as nossas singelas realidades.

O grupo cineclubista em vias de desaparecer, apareceu no fim da sessão, se uniu na frente, orgulhosos de terem promovido aquele encontro, que apesar de não ter sido produzido por eles é fruto das reuniões de todas as terças, há 03 anos. Orgulhosos de se apresentaram na frente, fazendo parte desse processo. Convocaram mais gente, duas pessoas se inscreveram. Eu, no meu olhar de agradecimento para Jorge, tinha uma força renovada, uma mágoa do mundo acalmada e uma intuição de que já estamos formando a nossa rede: de afetos, de solidariedade, de compreensão, de troca e de apoio. Obrigada à todos que pensam em um mundo diferente. À Milton Santos e suas pesquisas sobre a nossa realidade, à Jorge e sua força da natureza, à Henrique e seu orgulho de ter um ideal, à Fábio semeador de plantas tão boas, à Tenille, à todos os Lanterninhas e à parceiros que financiam essa empreitada e que se mostram aguerridos e acreditam nessa idéia de mudar o mundo, para fazer o que já dizia Cazuza e que caiu a ficha no filme do João Jardim: Pro Dia Nascer Feliz.

Maria Carolina - Lanterninha de coração
Coordenadora Geral do Projeto Lanterninha
mariacarrolina@gmail.com

1 Comentários:

Às 17 de junho de 2010 às 11:20 , Blogger Tenille Bezerra disse...

Carol, adorei ler seu texto. Mais do que compartilhar as angústias do processo, compartilhamos ainda a felicidade de realizar os nossos e os sonhos de outros. E este foi um dia marcante no projeto.

Beijos
Tenille

 

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