terça-feira, 31 de agosto de 2010

 CINECLUBISMO E A NOVA ESCOLA



Diz-se por aí que a escola é uma instituição fechada, que é uma instituição cercada por muros, que o que se ensina na escola de nada servirá para vida, que a escola está defasada, etc... Talvez esta seja uma visão unilateral: se a escola está fechada é porque a sociedade civil não a ocupa mais.

Nestes três anos, tentando criar cineclubes em 12 escolas públicas junto com alunos, professores, coordenadores e diretores o que venho observando é que todos aqueles que fazem a escola no seu dia a dia estão sozinhos. Lá dentro não vejo os artistas, não vejo os universitários, não vejo os pesquisadores, os pedagogos, nem os psicólogos, não vejo os capoeiristas, nem os sambadores de roda, nem os pais dos alunos... Acredito que não é a escola pública que é fechada, mas sim fomos nós, enquanto sociedade civil, que abandonamos a escola pública.

O grande barato do projeto Lanterninha é estar na contramão dessa tendência. Enquanto todos dizem que existem espaços de aprendizagem mais interessantes fora da escola, o Lanterninha assume a escola como um desafio por ser o espaço público de aprendizagem por excelência. Mesmo com muitas coisas jogando contra (nossa escola pública passa por um momento extremamente difícil), existe muitas coisas a favor dentro da escola (alunos, professores e diretores que ainda se sensibilizam com a arte) e não é a toa que temos, hoje, 12 cineclubes funcionando dentro de escolas públicas da cidade e mais de 20 mil espectadores que já assistiram diversos filmes nacionais.

O cineclube traz mais referências culturais para os alunos, pode tornar a aula no professor mais interessante, pode fazer com que os alunos permaneçam mais tempo nas escolas, principalmente quando há falta de professor. Porém, um cineclube dentro de uma escola pode ganhar uma função que extrapola o seu aspecto cultural ganhando uma dimensão política. A Utopia que um cineclube aponta é ser um espaço de interligação entre o dentro e o fora da instituição escolar.

Os cineclubes podem arejar o espaço da escola levando seus alunos e professores para outros espaços (outros cineclubes, festivais e seminários de cinema, cursos...) como trazer outras pessoas para dentro das escolas (psicólogos, cineastas, jornalistas, artistas...). Quantas pessoas, artistas, professores, intelectuais, não gostariam de serem convidados por alunos que adoram cinema para discutir filmes com eles? Quantos cineastas não gostariam de exibir seus filmes dentro das escolas e discutir seus filmes com os alunos e professores? Quanto isto seria saudável para a nossa educação e para o nosso cinema?

A construção de uma nova escola pública, talvez, só tenha início quando comecemos a estar por dentro dela.

E vamos levantando as cortinas, porque mais uma sessão vai começar!

Por: Marcelo Matos
Coordenador Pedagógico do Projeto Lanterninha
celo.matos@gmail.com

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

III Encontro Cineclubista Lanterninha


O terceiro Encontro Cineclubista Lanterninha foi pautado pelo tema: “A escola pública e o mito do heroi”. Após a exibição do filme Escritores da Liberdade na sala Walter da Silveira, migramos para a sala multi-uso da Dimas para configurar nossa roda de bate papo.  No caminho entre as duas salas, pausa para conferir uma exposição sobre clássicos do gênero de animação no audiovisual baiano.






Acomodados em um grande círculo, olho no olho, aos poucos vão surgindo as primeiras leituras do filme. Dois professores, que também são cineclubistas, deram seus depoimentos ainda emocionados com a trajetória de superação apresentada no filme. Na realidade todos saíram da sala de cinema enxugando as lágrimas.

Escritores da Liberdade é um filme do diretor americano Richard Lagravenese (2007), classificado como gênero de drama, baseado em fatos reais, cuja história se passa por volta de 1992, em Los Angeles (EUA) em um contexto de guerra urbana em seus bairros mais pobres, causados por gangues e motivados por tensões raciais. Uma professora de inglês novata se depara com uma turma de alunos que cumprem medidas sócio-educativas e estão na escola por ordem da justiça. A turma é muito diferente do sonho de educação que a jovem professora nutria quando buscou a escola que vivenciava um processo de integração, acolhendo jovens integrantes de gangues que naquele ano, guerreavam em Los Angeles.

O filme transcorre, com uma medida cada vez maior de emoção, pois nos aproxima do drama de vida de cada um dos adolescentes. Ao mesmo tempo que a camera nos coloca como um daqueles jovens sem esperança, dispostos a morrer tentando matar seus inimigos, distantes de qualquer perspectiva de futuro, somos colocados no ponto de vista da jovem professora que decide enfrentar um sistema educacional ultrapassado para oferecer aos seus alunos uma chance para a mudança. Devolver a esperança através da educação.

Para além da emoção, este filme foi escolhido para o Encontro, por lançar possibilidades infinitas de exploração do tema da educação, e principalmente questões a respeito da representação dos papéis de professor e aluno no cinema hollywoodiano.  A nossa proposta era de desconstrução do filme.




O mito do herói é a estratégia dramtúrgica escolhida para narrar a trajetória da professora novata em contato com esse universo violento. O filme apresenta os clichês mais conhecidos da indústria norte-americana e por isso garante um filme bem “redondo” a nossos olhos ocidentais. Aprender a descontruir um filme, mais do que considerá-lo bom ou ruim, nos dá a possibilidade de fruir com muito mais complexidade a obra colocada em questão. Perceber pontos de vista diferentes sobre o mesmo objeto, nos traz uma grande riqueza de pensamento. E foi isso que exercitamos no ultimo encontro.

Falamos desde o consenso sobre a emoção que o filme faz aflorar até nos mais precavidos e evoluímos para pensar que existe uma simplificação do processo educativo nos filmes da indústria norte-americana. No filme é creditado ao professor (o herói), a possibilidade de modificar a vida dos seus alunos, por maiores as dificuldades que ela precise ultrapassar para isso. A jovem professora para dar conta da transformação que tanto deseja, precisa conciliar três empregos simultâneos (para custear atividades extra), além de perder o marido por colocar a relação pessoal no plano do menos importante. Mas ela resiste a tudo impávida, afinal tem uma missão a cumprir.

Pessoalmente acho que essa é uma carga muito pesada para o professor, que mesmo sendo idealista e lutando contra as dificuldades abissais da sua profissão, precisa ter uma rede social que lhe dê suporte, precisa dos amigos e da família, seja ela como for. Não é à toa que a toda a mudança que a professora propõe aos alunos no filme, em momento nenhum dialoga com a realidade que eles encontram fora da sala de aula. Como lembrou Clissio (novo monitor do Projeto lanterninha), é como se aquele universo criado pela professora fosse uma bolha suspensa no ar, e não admitisse a entrada de novos elementos ou a relação com os outros mundos que habitam a escola.



No dia estavam presentes os professores Edvaldo e Rita, cineclubistas da Escola Parque, que com o idealismo e a paixão necessárias à profissão que lhes trazem sentidos, trouxeram a discussão para nosso contexto de educação pública no Brasil. Onildo, professor de história da Uneb relatou sua experiência ao ver o filme, e pensá-lo como dispositivo de reflexão para a realidade das escolas públicas que não deveria ser mitificada.

O momento final do Encontro foi dedicado a discutir questões técnicas da construção narrativa do filme, e a importância de estabelecermos uma instância crítica do que consumimos audiovisualmente.

Foi uma manhã muito animadora de debate. Como em todos os encontros, saímos com gostinho de quero mais e desta vez em especial, de posso mais. Posso sim, transformar o contexto à minha volta. Mais do que cair na sala de aula de uma professora tão virtuosa, nos cabe elaborar à duras penas uma educação de maior qualidade. A escola é um espaço de todos, vamos tomar assento e chegar mais.

Por: Tenille Bezerra
Coordenadora Executiva do Projeto Lanterninha
tenillebezerra@gmail.com

terça-feira, 3 de agosto de 2010

O Encontro Cineclubista da Walter da Silveira foi mais uma das ações de formação da rede de apoio ao cineclubismo que o Lanterninha tenta empreender. Foi uma manhã muito produtiva, com um debate que se estendeu até quase duas da tarde. Representantes de todos os cineclubes lanterninha estiveram presentes.

Logo no início tivemos a exibição do documentário "Encontro com Milton Santos, ou o mundo global visto do lado de cá", do diretor Silvio Tendler. O filme foi uma porta de entrada ao universo de transformação social que empreendemos através do cinema. O cineclubismo está diretamente ligado às questões culturais e sociais no nosso país, porque mais do que nunca, este movimento busca estabelecer o diálogo, através das obras audiovisuais, com a comunidade de onde fazem parte.  É uma forma de percebermos melhor o lugar que ocupamos no mundo, e a partir disso darmos o primeiro passo rumo à mudança para um novo contexto de vida mais igualitário, menos injusto.


Para lançar questões ao debate, contamos a presença de Tiago Tao, cineclubista e representante do CNC, que situou historicamente o movimento cineclubista e suas implicações na formação de novos modelos de construção e análise das obras audiovisuais. O querido Jorge Conceição, já parceiro do Lanterninha, também esteve presente contribuindo com o debate.




Ainda há muita estrada a percorrer. Ainda no mês de agosto, dois novos encontro cineclubistas acontecerão, proporcionando espaços de encontro e troca de idéias a respeito do cinelcube e seu potencial de ação. Programe-se, compareça!




Por: Tenille Bezerra
Coordenadora Executiva do Projeto Lanterninha
tenillebezerra@gmail.com