domingo, 3 de agosto de 2008

Entrevista com Gisela Câmara
(Co-diretora do filme "Meninas")

Qual a importância do cinema na construção da cidadania?

Já se achou que um filme poderia mudar o mundo. Hoje acredito que um filme não munda um mundo, mas vários mundos individuais. Passou a época das revoluções, mas hoje os indivíduos vivem constantes revoluções internas, recebendo, processando e devolvendo para o mundo a enorme quantidade de informações que absorvem. O cinema para mim é um desses instrumentos que podem mudar o mundo dos espectadores que o assistirem. Ao se deparar com realidades e histórias tão diversas da sua própria, o espectador ao mesmo tempo toma conhecimento e se apropria daquilo que conheceu. O espectador de Porto Alegre, ao ver Cidade Baixa, toma conhecimento de uma realidade, história, sotaque, paisagem, enfim, uma identidade distinta da sua, no entanto que faz parte de uma identidade maior, plural, que é ser brasileiro. E entende que também é parte daquela realidade, nova, ainda que não a vivencie no seu cotidiano. Nesse sentido, acredito que o cinema contribui para o desenvolvimento do pensamento, para a compreensão de uma visão mais abrangente e generosa do mundo, ao expor seu multiculturalismo. E é por isso que acredito ser fundamental o acesso da população aos diversos cinemas existentes, e não só ao cinema hegemônico norte-americano. Esse cinema hoje hegemônica precisa ser uma das alternativas dos vários tipos de filme vindos das mais variadas culturas, e não a única opção, como muitas vezes é.


Como o cinema pode dinamizar o espaço de conhecimento dentro de uma escola?

Filmes podem servir de instrumentos para promover debates. Desde o primeiro momento em que idealizou o documentário Meninas, a Sandra Werneck, diretora e produtora, sempre teve esse objetivo. Quando mergulhamos no assunto, gravidez adolescente, tínhamos não só curiosidade de entender as motivações da enorme quantidade de meninas que engravida tão cedo, mas tínhamos também o objetivo de dividir essas descobertas com os espectadores do filme. Acreditamos que, a partir da projeção de um filme nas salas de aula, abre-se o debate sobre esse e outros temas. Não só documentários impulsionam debate, mas todo e qualquer filme. Por exemplo, um filme como "O Céu de Suely", de Karim Ainouz, aparentemente sem nenhum tema socialmente relevante, pode abrir um debate sobre migração, regionalização, e até mesmo temas existencias para os adolescentes, e ainda questões de gênero etc.

Além de que, cada filme visto contribui para a formação da identidade cultural dos alunos.


Descreva a sua experiência com os alunos no Projeto Lanterninha


Participar do Projeto Lanterninha foi muito enriquecedor. Na época do lançamento, tinha participado de alguns debates sobre o filme, aqui no Brasil e em Berlim, onde Meninas teve sua estréia mundial. Mas ainda não tinha mostrado o filme em Salvador, e sabia que a realidade retratada na tela era muito diversa da realidade dos alunos. No entanto, nas três sessões do filme, lotadas, os alunos prestaram atenção, se divertiram, riram e se emocionaram com o que viram. Essa iniciativa é fundamental, pois formação de platéia de cinema, na era da internet e do DVD pirata, é quase uma militância. As novas gerações, sobretudo as de baixo poder aquisitivo, não têm o hábito de ir ao cinema. E isso se nota na maneira como elas interagem, reagem e comentam o filme durante a sua projeção. Existe o mito de que o "público" não gosta de cinema brasileiro, e o que vejo nas sessões populares do Meninas, incluindo as do Projeto Lanterninha, mostra o contrário. As pessoas gostam sim, mas não têm o hábito de ver nossos filmes.

Os debates também foram bastante enriquecedores. Os adolescentes se identificaram de alguma maneira com as jovens do filme. Deram depoimentos de suas experiências, questionaram as escolhas retratadas na tela, debateram a maneira como a equipe se relacionou com as protagonistas. Acho que, no final, tanto as debatedoras quanto os alunos saíram da conversa renovados.

Bate-bola com o ator Gustavo Falcão
(Ator principal do filme "A Máquina", convidado do Projeto Lanterninha)

Como a arte entrou na sua vida?


A arte entrou na minha vida através das histórias que minha mãe lia pra mim quando criança, e depois pelas histórias em quadrinhos das quais passei a ser um leitor assíduo. A partir ds 05 anos de idade comecei a desenhar, fazia gibis na escola, que acabavam se tornando atração entre os colegas. O desejo de me expressar pela arte se tornou mais concreto quando, aos 18 anos, comecei a fazer teatro na escola onde estudava, em Recife. A partir daí minha vida se trnsformou inteiramente e a arte invadiu meu mundo, participando de minhas escolhas, meu cotidiano e norteando meu entendimento de mim mesmo e do outro.
Em que a arte transformou a sua percepção do mundo?

Em quase tudo. A arte modificou minhas percepções sensoriais, intelectuais e até físicas, estabelecendo um forte elo entre minha consciência e o outro, entre minha mente e meu corpo, entre minha experiência de vida e as possibilidades e interpretações de mundo que me vinham através de outros artistas.
Qual a importância da escola na sua vivência e aprendizado?

Foi no colégio em que estudei, o Colégio Nossa Senhora do Carmo que iniciei minha jornada nos palcos. Sem dúvida fiz esta escolha também baseado na importância e confiança que a escola representava para mim. Foi lá que se deu meu desenvolvimento humano, moral e intelectual. Foi onde comecei a ter noções primordiais de vida em sociedade, de relacionamento, de desafios e superação. No meu entendimento, é onde primeira e fundamentalmente o homem inicia o processo de reconhecimento de sua indivdualidade.
O que acontece quando a sala de aula se transforma em uma sala de cinema?

Acontece a união de dois ícones da cultura, que se complementam e que se sustentam: a arte e o conhecimento.


Depoimento de Valéria Fagundes
(Estudante de jornalismo e poetisa, convidada do Projeto Lanterninha)

Muitos são os questionamentos que norteiam o universo escolar. É muito comum encontrarmos professores que perderam a dignidade, alunos sem auto-estima, diretores que continuam no mesmo barco embora já tenham perdido a direção. Existe um panorama crítico no sistema educacional brasileiro, mas não adianta apontarmos culpados.
A tarefa de tentar mudar essa realidade é nossa!
Quando eu digo nossa, falo dos projetos sociais, da arte, do cinema. De qualquer instrumento informativo que viabilize a reflexão de valores humanos. Por que o papel da escola não é apenas escolarizar, é educar para a vida.

O Projeto Lanterninha é a prova de que trabalhar com a linguagem audiovisual nas escolas pode dar certo. Tive a felicidade de participar de debates em 11 escolas públicas de Salvador, eu fui com o objetivo de falar sobre minha participação no documentário Pro dia nascer feliz. Falar sobre minha escola, as dificuldades que eu tinha para ter acesso ao estudo. Mas os debates tomaram uma dimensão muito além do que se esperava, e eu que já tinha esperança, passei a ter fé na construção de uma sociedade mais igualitária.

O que os meninos das escolas vivenciaram durante a exibição do filme foi algo único e mágico! Se os alunos da rede pública não têm acesso aos cinemas da cidade, o lanterninha leva filmes brasileiros de qualidade até eles. Além de possibilitar a criação de cineclubes, oportuniza o debate sobre questões que nos levam a entender a realidade da qual somos parte. O cinema mudou a minha vida! O que sinto, vejo, percebo, ignoro, são fragmentos de imagens que carrego dentro de mim...